segunda-feira, 24 de maio de 2010

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA – como falam e escrevem os brasileiros?

Minhas primeiras palavras revelam uma profunda preocupação pelo modo como está sendo conduzido o ensino no Brasil, a partir dos níveis fundamental e médio. Como pretendo escrever um trabalho que atinja os alunos de sexta a nona série, comecei a me socorrer de professoras que trabalham com esses educandos. São colegas de alto nível que me informaram não haver hoje uma programação única, um padrão nas diversas escolas do ensino fundamental no nosso município. Cada grupo estabelece um currículo diferente, cada professor elabora sua programação, quase todos procurando esquecer, a princípio, a gramática, trabalhando com alguns textos de sua escolha para se compreender o que o autor quis dizer. Não há uma sequência lógica para vencer dificuldades. E o pior é que não se reprova mais ninguém, em nenhum nível. O “bom professor”, o que só dá boas notas é, na gíria escolar, chamado de cracão, palavra adaptada da linguagem esportiva.

Em referência ao tema desta conversa, deste bate-papo, podemos dizer que a determinado mestre é um nobre colega, mas em linguagem coloquial diríamos tratar-se de gente fina. Em outro nível, poderíamos afirmar que é sangue bom, linguagem muito comum entre flanelinhas, quando o cliente não é uma espécie de “mão-fechada”.
Segundo o linguista Roman Jakobson, a linguagem nunca é monolítica, pois cada código inclui um conjunto de subcódigos, por isso exige uma descrição sistemática e conjunta pela linguística e pela teoria da comunicação.

Há dois mil anos, na antiga Roma, o poeta Horácio, em Arte Poética, já dizia:

Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na flor da idade; se uma matrona autoritária ou uma dama dedicada; se um mercador errante ou um lavrador de pequeno campo fértil; se um colco ou um assírio; se um homem educado em Tebas ou em Argos.

É pena que essa visão fantástica dos fenômenos linguísticos não tenha sido aproveitada pela escola até hoje.

Vejamos a comparação entre dois textos, de diferentes épocas e de diferentes usos. Primeiramente, um trecho de Rebelo da Silva, autor português do século XIX (1822-1871), em Última corrida de touros em Salvaterra

Uma toirada real chamara a corte a Salvaterra. Os fidalgos respiravam nesta ocasião menos oprimidos. Não os assombrava tão de perto a privança do ministro. Os toiros eram bravos, os cavaleiros destros, o anfiteatro pomposo, e o cortejo das damas adorável. O prazer ia na boca de todos. Por cúmulo de venturas, o marquês de Pombal ficara em Lisboa, retido pelo conflito com o embaixador da Espanha.
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Correram-se as cortinas da tribuna real. Rompem as músicas. Chegou el-rei, e logo depois entra pelos camarotes o vistoso cortejo e vê-se ondear um oceano de cabeças e plumas.

O texto narra uma corrida de touros, com a presença do rei e de sua corte. O episódio mostra um fidalgo, o Conde dos Arcos, em uma luta na arena, que termina tragicamente com a morte do cavaleiro. Mas o pai, Marquês de Marialva, contrariando as ordens do rei, foi para o combate e, apesar do temor de todos, derrotou o touro.

Dino Pretti - excelente pesquisador da variação linguística no português do Brasil - transformou esse texto clássico em uma linguagem própria de um tradicional frequentador de praia, o chamado rato de praia. O termo também é entendido como “ladrão que freqUenta a praia”, como se vê em “How to be a carioca”, escrito por uma americana – PRISCILA GOSLING - casada com um brasileiro. Leiamos o texto idealizado por Dino Pretti:

A patota toda tinha se mandado para Salvaterra. Tava tudo doidão, ô cara. O Pombal é que não pintou lá: tava numas transas com um careta espanhol. Deixa isso pra lá. Negócio seguinte: o Pomba tinha um grilo com touro: broncava por causa de tourada. Daí, pô? Dom José era um coroa legal, podes crer amizade. Pintou mulherio às pampas, meu chapa. Foi assim, ô cara: primeiro foi aquele som lá na Salva. Quando o rei deu as caras na tribuna de honra com toda a corriola ficô tudo ouriçado. Foi uma zorra, ô cara.

Como se nota, são dois níveis bem diferentes do uso da língua portuguesa. O do autor português revela a forma da língua em Portugal, na época (século XIX). O do “rato de praia” mostra uma variante popular do português do Brasil.
O assunto, portanto, tem de ser analisado com atenção pela escola, uma vez que a tradição gramatical, que não pode ser desprezada, mas não deve ser a única forma a ser discutida em sala de aula. Atualmente, estudam-se três tipos de variação linguística:

1. diastrática – designa as variedades de níveis entre os diferentes estratos socioculturais de uma comunidade linguística, como as diferenças entre língua culta e língua popular;
2. diatópica - termo que nomeia as variedades regionais, como as que ocorrem no Nordeste, no Sul e em outras regiões, cada uma com seu sotaque característico e empregos diversificados, principalmente no vocabulário;
3. diafásica (grego phásis = expressão) - denominação proposta por Eugênio Coseriu para designar as variantes entre os diversos tipos de modalidade expressiva.

Utiliza-se o termo diassistema para representar o conjunto mais ou menos complexo de variedades diatópicas, diastráticas e diafásicas de uma língua.

Também ocorre o termo diglossia que exprime a possibilidade de coexistência, no sujeito falante, do falar regional e da língua comum oficial, adquirida na escola.

A Gramática da língua portuguesa, de Mira Mateus et alii, diz:

Deve notar-se que existem textos escritos que procuram reproduzir a língua oral (anedotas, literatura popular etc.) e discursos orais que, dada a sua artificialidade, adquirem a especificidade da língua escrita conferências, aulas, emissões de televisão e rádio etc.). Não se encontra, portanto, perfeita coincidência entre o que se considera característico dos registros oral e escrito e a apresentação oral ou gráfica de um discurso. Para além disso ocorrem, naturalmente, situações intermédias.

Desde a década de 1960, ocorreram vários estudos enquadrados numa disciplina denominada de Sociolinguística, que procura observar a língua falada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. O ponto de partida é a comunidade linguística: conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham. Neste caso, os indivíduos se relacionam por meio de redes comunicativas diversas e que orientam seu comportamento por um mesmo conjunto de regras.

Para se ter uma ideia parcial do que se passa com a fala e com a escrita do brasileiro, vamos verificar os vários níveis da língua portuguesa. O estudo de qualquer língua envolve uma multiplicidade de aspectos, entre os quais se encontra o da estrutura gramatical que vem sendo criminosamente abandonado, redundando no fracasso do aprendizado de nosso idioma. A partir de textos variados, não esquecendo a importância capital dos textos literários, vamos verificar toda a riqueza da variação no português brasileiro.

Comecemos com o nível lexical, que não caracteriza fundamentalmente uma língua. É preciso tomar cuidado com certas lições que sugerem o não uso de termos como, por exemplo, “cadê” ou “quedê”, que deveriam ser substituídos por “que é de”, redução da expressão “que é feito de”. Essa expressão se reduziu a “que é de” e, depois, para cadê ou “quedê”. Coloquialmente, são formas legítimas. Utilizar a expressão primitiva (“que é feito de”) é uma interpretação absurda, por estar fora do uso atual da língua portuguesa do Brasil. Na linguagem formal, poderíamos dizer: Onde se encontra o lápis? Ou: Onde está o lápis? Na linguagem descontraída dizemos: Cadê o lápis.
Há determinados desvios em certos vocábulos que devemos observar com atenção, como:

supertição – advinha (verbo adivinhar) – borborinho - desinteria – receioso – rítimo – interim - própio – frustar – carangueijo – beneficiente – cabelereiro – abóboda – reinvindicação – compania – menas sorte – os pessoal – gratuíto – fluído – Nóbel.

Pela ortografia vigente, temos: superstição, adivinha, burburinho, disenteria, receoso, ritmo, ínterim, próprio, frustrar, caranguejo, beneficente, cabeleireiro, abóbada, reivindicação, companhia, menos sorte, o pessoal, gratuito, fluido, Nobel.
Desde a passagem do latim vulgar para o português, o proparoxítono foi abandonado: calidu passou a caldo, com a perda da vogal adjacente à tônica. A forma “cálido” penetrou na língua por via erudita, ou seja, foi retirada diretamente do latim, depois de formada a língua portuguesa. Na linguagem popular, observam-se: abobra, que originou “abobrinha”, coscas, de que derivou “cosquinhas”, corgo (de córrego).
Há um outro fato lexical de importância: as variantes vocabulares:

Nasalar e nasalizar – bêbedo ou bêbado - assobiar ou assoviar – contacto ou contato – catorze ou quatorze (não se use a forma cincoenta, e sim “cinquenta”) – abdômen ou abdome – garagem ou garage - maquiagem ou maquilagem ou maquilhagem (lusitanismo)

A dupla ortografia se justifica plenamente em virtude da dupla forma das palavras relacionadas acima. No entanto, o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), cuja primeira edição é de 1943, recomendou dupla grafia para xícara ou chícara; no VOLP de 1981 e no de 1998, vemos chuchu ou xuxu, xixi ou chichi etc. Criticamos o fato, pois os fonemas são os mesmos, não devendo, portanto, haver dupla grafia, como ocorre com as variantes vocabulares. Na edição de 2004 do VOLP, o problema foi corrigido em parte, ficando, no entanto, a dupla grafia em xiita, adaptado do inglês “shiite”, e chiita. As palavras com “sh” do inglês, como “shampoo”, português xampu, são escritas com “x”, em nossa língua. Não se concebe uma dupla grafia, como dissemos, quando os fonemas são os mesmos. A ortografia, como sabemos, tem de optar por uma forma. Quando isso não acontece, há uma grande perturbação para o aprendizado do usuário da língua.

Ainda no domínio vocabular, não devemos esquecer que estamos cercados por palavras ou expressões latinas, utilizadas frequentemente em nosso dia a dia. É o caso de:

Habitat (acento tônico na primeira sílaba) – álibi (forma aportuguesada – apud – et alii – stricto sensu – lato sensu – verbo ad verbum (certidão verbo ad verbum: palavra por palavra) – superavit ou superávit (VOLP de 2009, forma que não encontra apoio na acentuação gráfica vigente) – deficit ou défice (forma aportuguesada) – quantum - quorum – post scriptum (pós-escrito). O VOLP aportuguesou rádium e fórum, mas não procedeu da mesma forma com quantum e quorum, verbetes colocados entre os estrangeirismos.


Vocês já repararam como, muitas vezes, para valorizar um produto, a publicidade apela para o latim? Vejam: biscoito Bono (bonus, a, um - bom) // iogurte Corpus // desodorante Axe (eixo, centro) – o homem torna-se o centro das atenções das mulheres – Habemus Chester (confronte: Habemus papam: quando se elege um novo papa na Igreja Católica) – Lux luxo (luz e luxo conjugados).
Em Palavras sem fronteiras, o embaixador Sérgio Correia da Costa fez uma pesquisa das palavras estrangeiras mais usais em 46 línguas. Em primeiro vem o francês, em segundo o inglês e em terceiro o LATIM.

Todo indivíduo, medianamente culto, possui quatro tipos de vocabulário:


1 – o da língua falada ou coloquial – é pequeno e serve para satisfazer as necessidades triviais da comunicação oral. São palavras de teor concreto, aprendidas de ouvido.
2 – o da linguagem escrita – representa as palavras usadas ocasionalmente na linguagem escrita: literária, técnico-científica ou didática.
3 - o de leitura – composto de palavras não usadas no coloquialismo nem na língua literária, mas cujo sentido nos é familiar, por uma simples leitura.
4 – o vocabulário de contacto – representa um considerável número de palavras que ouvimos ou lemos, mas cujo significado nos escapa.

Os dois primeiros tipos são o vocabulário ativo, bem menor que o passivo, constituído pelos dois últimos. Para Othon M. Garcia “o ativo serve à expressão do nosso pensamento: o passivo é responsável pela compreensão do pensamento alheio.”

Para Millor Fernandes, “dicionário é um livro sem enredo nem personagem que serve para mostrar a extensão da nossa ignorância”. O conceito normal nos vem de Mattoso Câmara: é qualquer registro metódico de formas linguísticas ou dições, devidamente explicadas.

Gostaríamos de concluir esta parte, lembrando a importância dos empréstimos ingleses no português, os chamados anglicismos. Apenas alguns exemplos: Marketing, traduzido para o português como Mercadologia, termo usado em leis e regulamentos, e estagflação – o fenômeno da estagnação (aumento da taxa de desemprego) combinado com a inflação (aumento contínuo de preços). O termo surgiu por influência do inglês “stagflation”, combinação de “stagnation e inflation”. Além desses poderíamos acrescentar mais um, utilizado na Informática, “deletar”, de delete, que vem do latim deletare = apagar ou destruir, daí: indelével (que não se pode pagar) e deletério (destruidor).

No domínio fonológico, não podemos esquecer determinadas tendências, como:

róbo, em vez de roubo - caráteres em lugar de caracteres - tóxico em que o x aparece com valor de fonema palatal /s’/; aqui é preciso observar que o x tem valor de três fonemas: /kis/, e não de encontro consonantal como aparece nos dicionários e nos livros de gramática, contrariando a lição de Mattoso Câmara que nos informa não haver encontro consonantal em vocábulos como “opto”, pois ocorre a intercalação na fala de uma vogal epentética; por isso o povo diz /opitu/ – fixo /’fikisu/ - sexo /’sekisu/. Deveríamos, desde o primário, usar um alfabeto fonológico - dolo , com timbre fechado, em vez de aberto. Sobre as vogais, observe-se que o /e/ e /o / pretônicos geralmente são emitidos como /i/ e /u/, respectivamente, como em despesa e costura.

No domínio da morfologia, o fato mais visível é o do emprego dos verbos, com seis pessoas, sendo uma de pequeníssima frequência (a 5.ª pessoa, a P5), com o pronome vós. Na linguagem popular, só existem duas pessoas: o “eu” e as outras: eu canto, tu, ele, nós, eles canta.
Outro fato é a perda do /d/ no gerúndio: amano, bebeno e surgino. A perda da marca de plural que só aparece no artigo: Os marinhero tava tudo bebo. A despalatalização, como em “mió”, em lugar de melhor.
Mas é na sintaxe que se revelam os maiores problemas. Por exemplo, o título da marchinha campeã do carnaval carioca é “Volante e cachaça não combina”. Realmente, não há concordância entre o sujeito e o verbo. Mas como se trata de música popular... Aliás esse concurso revelou uma pobreza incrível: as três marchas selecionadas são muito fracas e sem graça. Triste sinal dos tempos.
E a chamada classe culta como está escrevendo? Numa crônica de jornal, lê-se: “É na escola e na universidade onde se fazem os melhores amigos, onde se constroem os sonhos, onde se planeja a vida. São nelas também onde o cidadão se prepara para interagir de forma mais elaborada com a sociedade e desenvolver-se com ela.” (O verbo ser está “concordando” com o adjunto adverbial “nelas”. Infelizmente, é uma tendência forte, por desconhecimento da estrutura sintática da frase.
Em uma faixa de universitários, encontramos: “São nestes momentos que..” (o verbo está concordando com o adjunto adverbial de tempo). O que essas frases revelam? Falta de conhecimento de aspectos importantes dos conteúdos gramaticais de sintaxe. Ou seja, a sintaxe “já era”.

O ponto que revela maior despreparo é no emprego de pronomes relativos:

1. O cargo que aspiras é importante.
2. Eis a pessoa que falamos dela ontem.
3. Roberto é um chefe que confiamos no trabalho dele.
4. As pessoas de quem discutimos os direitos são nossas amigas.

Na primeira frase, o verbo aspirar é transitivo indireto, por isso o pronome relativo deve vir antecedido de preposição: a que aspiras = aspiras ao cargo. No segundo exemplo, o relativo não atua como termo, completando o sentido do verbo. Essa função é exercida por “dela”. No registro formal, diremos: Eis a pessoa de que (de quem, da qual) falamos ontem. No terceiro exemplo, o relativo não é termo. Sua função está representada por “dele”. Formalmente, ficará: Roberto é um chefe em cujo trabalho confiamos. Finalmente, o “de quem” está substituindo o relativo cujos: As pessoas cujos direitos discutimos são nossas amigas.
Os exemplos revelam as características do registro formal em contraste com o do coloquial.

Preocupados com determinadas influências, muitos usuários, sem um preparo adequado, cometem deslizes. Num artigo, um autor comenta que a língua portuguesa está mudando. O articulista comete uma série de enganos por falta de conhecimento de Linguística Geral. Entre os equívocos, ele cita o uso de novas palavras na informática, fato que não interfere na estrutura de uma língua. Já ouvi, na televisão, uma grande escritora dizer “Fazem duas semanas”. Era uma entrevista interessante com dois grandes escritores. Depois dessa frase, desliguei o aparelho.

Mas qual é a opinião de Yonne Leite e Dianah Callou sobre a fala dos usuários de uma língua? Elas afirmam que “a fala tem um caráter emblemático, que indica se o falante é brasileiro ou português, francês ou italiano, alemão ou holandês, americano ou inglês, e, mais ainda, sendo brasileiro, se é nordestino, sulista ou carioca. Dizem também as linguistas que “a linguagem oferece pistas que permitem dizer se o locutor é homem ou mulher, se é jovem ou idoso, se tem curso primário, universitário ou se é iletrado”. Quem não reconhece, por exemplo, um baiano que, num diálogo, diz: Vamos trabalhar, ó gente? Não, bichinho, é cedo ainda. O paulista com a característica do retroflexo: parte, forte. O carioca se diferencia praticamente pela ausência de sotaque. Por falar nisso, muitos locutores esportivos, chamam de cariocas os habitantes de qualquer cidade do Rio de Janeiro, o que revela uma ignorância linguística e geográfica. Todos os habitantes são fluminenses (flumen, inis = rio), mas somente os da nossa cidade são cariocas.

As pesquisadoras completam afirmando que, por ser um parâmetro que permite classificar o indivíduo de acordo com sua nacionalidade e naturalidade, sua condição econômica ou social e seu grau de instrução, a língua é frequentemente usada para discriminar e estigmatizar o falante.

Isso já se observa no chamado “darwinismo cultural”: são os melhores e os mais brilhantes que triunfam, como se diz em Harvard. Seguindo uma tendência da ideologia neoliberal, há uma filosofia da competência, segundo a qual são os mais competentes que governam e têm trabalho, o que implica que aqueles que não têm trabalho não são competentes. Há os vencedores e os perdedores. Logicamente que esse ponto de vista é bastante questionado. No entanto, o conhecimento é a forma de vencer barreiras criadas pelas ideologias dominantes.

O uso abusivo do coloquialismo na linguagem oral, especialmente entre os jovens, abre a polêmica entre os filólogos. Para Antônio Houaiss, o ensino primário nunca foi tão ruim quanto agora. Para as meras relações de amor, de comer, de locomover-se, é possível se comunicar com um reduzido número de palavras. Mas na medida em que os jovens tiverem que entrar no mercado de trabalho e numa função relativamente qualificada, os horizontes verbais e gramaticais terão que se ampliar, diz o lingüista.

Concluindo, podemos afirmar que, no estudo de uma língua, estamos diante de um fato sem discussão: a multiplicidade ou variedade de formas de expressão que não podemos ignorar. Todas têm sua importância no universo cultural e merecem uma análise competente, séria. Mas não podemos esquecer nossa posição na sociedade. Por isso, dependendo da situação ou das circunstâncias de comunicação, devemos valer-nos da forma mais adequada nesse momento, principalmente quando se tratar da linguagem escrita, pois “Verba volant, scripta manent” (As palavras voam, os escritos ficam). Também, na linguagem oral, numa situação especial, compete atentar para o padrão exigido por nosso “status”, que mostrará a nossa imagem de homens aculturados.
Para encerrar, selecionamos alguns textos que mostram a diversidade de nossa Língua:

Em Guimarães Rosa, no livro Estas estórias, na novela Meu tio o iauaretê (iauaretê-tapuia - indivíduo de uma tribo indígena já extinta da Amazônia):

Mecê quer de-comer? Tem carne, tem mandioca. Eh, oh, paçoca. Muita pimenta. Sal, não tenho não. Tem mais não. Que cheira bom, bonito, é carne. Tamanduá que eu cacei. Mecê não come? Tamanduá é bom. Tem farinha, rapadura. Cê pode comer tudo, manhã eu caço mais, mato veado. Manhã mato veado: carece não.

De Clarice Lispector:

Se eu fosse muda e também não pude escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas; só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida (A descoberta do mundo, Nova Fronteira, 1984)

De José de Alencar:

Todo homem, orador, escritor ou poeta, todo homem que usa da palavra, não como de um meio de comunicação de suas idéias, mas como de um instrumento de trabalho, deve estudar e conhecer a fundo a força e os recursos desse elemento da sua atividade.

De Fabiana Barros, aluna da Estácio de Sá, no livro Contos e encontros, 2003:
O escritor carrega consigo a dor aguda da incerteza da imortalidade, a vontade de para sempre cultivar a sua semente em palavras, criar raízes que o salvarão da morte inesperada e da fugacidade do tempo que envelhece as suas carnes.

sábado, 8 de maio de 2010

O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO


Desde 1976, o professor Manoel P. Ribeiro vem publicando a Gramática Aplicada da Língua Portuguesa, livro de grande utilidade, principalmente para o ensino médio. A 19.ª edição está sendo lançada, já de acordo com a nova ortografia, com acréscimos importantes, em virtude da necessidade de releitura de variados pontos do universo linguageiro. Há um espaço privilegiado para a análise do texto, com noções de linguística textual, matéria de relevância nos estudos de diversos níveis do ensino de nossa língua. Centenas de exercícios completam cada lição.

Agora, o autor lança este livro que discute cada item do novo acordo ortográfico, com exercícios e respostas para fixação das novas regras. Na segunda parte da obra, descreve-se toda a história dos acordos ortográficos anteriores. Aqui se verificará que a questão ortográfica começou em 1911, quando o Brasil foi ignorado, deixando de participar da reforma elaborada em Portugal. As referências bibliográficas ressaltam a importância da compreensão geral do fenômeno linguístico, com a citação de obras que tratam de fatos sincrônicos e diacrônicos.